Presidente do IBCCrim, Cristiano Maronna durante entrevista exclusiva ao Brasil de Fato / José Eduardo Bernardes

Especialistas analisam a crise no Judiciário causada pelo comportamento politizado dos magistrados

Camila Salmazio e José Eduardo Bernardes
 

A decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o habeas corpus do ex-presidente Lula pode agravar o cenário de crise institucional brasileiro. O presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Cristiano Maronna, afirma que negar ao ex-presidente o direito de permanecer em liberdade até que se esgotem todos os recursos, é ignorar a Constituição Federal. Ele também destaca o papel da mídia comercial na manipulação da opinião pública sobre o caso.

“É muito comum o Judiciário dar as costas a Constituição para eventualmente fazer valer a opinião pública, que é, muitas vezes, manietada, por exemplo, pela mídia. Afirmar que se a Suprema Corte reconhecer que só após o trânsito em julgado poderá haver execução da pena para implicar a soltura de criminosos perigosos, como estupradores, como homicidas, isso é fakenews, isso é mentira. Não haverá como efeito automático a colocação em liberdade de toda e qualquer pessoa presa. Apenas aquelas que estão cumprindo a chamada execução provisória da pena.”

De acordo com dados do próprio IBCCrim, a população carcerária do Brasil é de 750 mil pessoas. Desses, 40% são presos provisórios e aguardam reclusos a confirmação da pena. O cenário revela um dos grandes gargalos do Judiciário, que é a morosidade na resolução dos casos.

Nesse sentido, a professora de direito constitucional da PUC São Paulo, Adriana de Faria, reforça a importância de instrumentos como o habeas corpus para impedir excessos por parte da Justiça.

“O HC [habeas corpus] para o direito penal, assim como o mandado de segurança para o direito em geral são instrumentos heroicos, porque visam impedir que um direito material seja prejudicado em nome do processo. Mas o STF fez uma interpretação de que a partir da segunda instância, ainda que não haja definição total da culpa, você poderia estar definindo pela prisão das pessoas”, explica.

Princípios como o da presunção de inocência ou da não culpabilidade estão em jogo na opinião dos especialistas. Para Maronna, outro valor constitucional abalado pelo comportamento dos magistrados é a efetividade mínima do sistema penal.

“A verdade é que a democracia não está em um bom momento, ao contrário. E as instituições estão funcionando muito mal. Como reflexo desse baixo nível de institucionalidade temos visto uma série de bate bocas, inclusive dentro da Suprema Corte, o que é lamentável”, diz Maronna, se referindo a discussão entre os ministros Luis Roberto Barroso e Gilmar Mendes em sessão do STF no dia 21 de março.

O inciso 57 do artigo 5º da Constituição Federal diz que ninguém deve ser considerado culpado se não após o trânsito em julgado da sentença, ou seja, depois de esgotadas as possibilidades de o réu se defender da acusação. O presidente do IBCCrim defende que o texto seja seguido integralmente, não só no caso de Lula, mas também no de todos os demais acusados.

“Tendo em vista a importância dessa discussão, me parece que não há outro caminho se não reconhecer o direito, não apenas do ex-presidente Lula, mas de qualquer pessoa processada criminalmente, de aguardar o esgotamento dos recursos, portanto, de aguardar o momento em que a condenação se torna de fato imutável pelo esgotamento das possibilidades de reforma. E só então reconhecer que é possível executar a pena.”

Adriana de Faria ressalta que casos como o do ex-presidente Lula são importantes porque exigem respostas do Judiciário, mas que decisões como o direito ao habeas corpus não devem ser tomadas no calor das emoções.

“Na medida em que o Judiciário vai tendo que responder de forma mais ativa a esses direitos que foram constitucionalizados, é importante que o Judiciário seja consistente e equânime. A isonomia e a consistência são fatores de controle”, finaliza.

Assista ao vídeo com a entrevista exclusiva dos especialistas:

Edição: Mauro Ramos