Advogado afirma que há jurisprudência para punição do candidato do PSL, beneficiado com o disparo de mensagens em massa

Lu Sudré

Por ter sido beneficiado diretamente pelo envio ilegal de mensagens contra o Partido dos Trabalhadores (PT) para milhões de pessoas via WhatsApp, Jair Bolsonaro, candidato do PSL à presidência, pode ter sua candidatura impugnada ou cassada, caso eleito. A punição pode acontecer mesmo se não for comprovada sua participação direta na ação.

De acordo com reportagem publicada pela Folha de S. Paulo nesta quinta-feira (18), empresas compraram pacotes de disparos em massa de mensagens contra o partido de Fernando Haddad e preparam uma grande operação para a semana anterior ao segundo turno. A prática é ilegal, pois se configura como doação de campanha das instituições privadas, vedada pela legislação eleitoral.

“Tudo isso pode ser considerado gasto ilícito de campanha e ser apurado em um processo de abuso do poder econômico. Empresas estão bancando algo, o que é proibido. O impulsionamento de conteúdo só pode ser feito por candidato, partido ou coligação, e, no caso, são terceiros alheios a campanha fazendo isso. A soma dessas duas questões, com o tamanho dos valores divulgados, pode configurar abuso de poder econômico. Isso pode resultar na cassação da candidatura, e, se já eleito, na cassação do diploma e mandato do candidato beneficiado”, declara Daniel Falcão, advogado especialista em direito eleitoral digital.

Para disparar centenas de milhões de mensagens, cada contrato firmado chega a R$ 12 milhões. Entre as compradoras do serviço, está a empresa Havan, cujo dono, Luciano Hang, obrigou seus funcionários a votarem em no candidato do PSL.

Falcão afirma que a lei pode ser interpretada de modo a punir Bolsonaro, mesmo que não seja comprovada a ligação direta entre o político e o crime praticado pelas empresas.

“Há uma polêmica em relação se é necessária a comprovação de um vínculo da candidatura ou de assessores do candidato a esse problema. Há quem defenda que é necessário comprovar-se um vínculo, ou seja, mostrar que o candidato e seus assessores sabiam dessa irregularidade. Mas há jurisprudência dos dois lados. Há outros que defendem que não, não há necessidade de comprovação do vínculo. Basta que isso tenha influenciado a eleição e beneficiado claramente um dos candidatos, que esse candidato beneficiado, possa ser punido por isso. Se tiver vínculo, fica ainda mais fácil uma condenação”, explica Falcão.

As companhias utilizam a base de contatos vendida por agências de estratégia digital e também a do presidenciável. A lei só permite o uso de lista de apoiadores do próprio candidato, com contatos disponibilizados de forma voluntária.

Manipulação

O especialista destaca o papel das redes sociais neste pleito eleitoral. “As redes sociais nunca foram tão otimizadas como hoje. Só por isso [essa eleição], é diferente. Tivemos um candidato que é um deputado obscuro, do baixo clero, que em quatro anos de uma maciça campanha por redes sociais, conseguiu ser o grande favorito da eleição presidencial”.

Também professor de direito eleitoral do Instituto Brasiliense de Direito Público, Falcão avalia que as consequências da denúncia feita pela Folha de S. Paulo podem não ser imediatas.

“Pode haver um impacto no público, caso ele passa a entender que essa irregularidade é grave a ponto de deixar de votar nesse candidato que está sendo beneficiado com essa irregularidade, ou, desse processo se alongar judicialmente para o ano que vem e haver a possibilidade da cassação de um presidente da República eleito”, diz ele.

Entre as agências identificadas pela reportagem responsáveis pelo “disparo em massa” estão a Quickmobile, a Yacows, Croc Services e SMS Market. No entanto, na prestação de contas de Bolsonaro consta apenas a empresa AM4 Brasil Inteligência Digital, que recebeu R$ 115 mil para mídias digitais.

O valor do serviço varia de R$ 0,08 a R$ 0,12 por disparo de mensagem para a base própria do candidato e de R$ 0,30 a R$ 0,40 quando a base é fornecida pela agência. As agências oferecem segmentação por região geográfica e até mesmo por renda.

Reações

A hashtag #Caixa2doBolsonaro chegou a ocupar o primeiro lugar nos Trending Topics do Twitter, com mensagens que denunciaram a ação criminosa dos empresários contra o PT.

De forma indireta, Mauro Paulino, presidente do Datafolha, mencionou o impacto efetivo que a ação dos empresários teve no primeiro turno. “Pesquisas eleitorais evidenciaram a impulsão da onda nos momentos finais. RJ, MG e DF são claros exemplos. Ao se comparar as fotos das vésperas, registradas por Ibope e Datafolha, em comparação com a foto das urnas, o fenômeno é claramente explicitado”, escreveu Paulino em seu twitter.

Fernando Haddad, principal alvo de fake news nessas eleições, afirmou que acionará a Justiça contra as empresas. Para ele, o episódio mostra, mais uma vez, que Bolsonaro não respeita a democracia.

“Nós vamos pedir providências para a Justiça Eleitoral e para a Polícia Federal, para que esses empresários corruptos sejam imediatamente presos para parar com essas mensagens do WhatsApp. Já tem nome de empresário, nome de empresa, contrato, valor pago mediante caixa 2, o que é crime eleitoral. Ele, que foge dos debates, não vai poder fugir da Justiça”, declarou o petista em vídeo.

Em nota, o PT afirma que fez um requerimento de investigação na Polícia Federal, para que seja feita uma “investigação das práticas criminosas de Bolsonaro”.

“É uma ação coordenada para influir no processo eleitoral, que não pode ser ignorada pela Justiça Eleitoral nem ficar impune. Estamos tomando todas as medidas judiciais para que ele responda por seus crimes, dentre eles o uso de caixa 2, pois os gastos milionários com a indústria de mentiras não são declarados por sua campanha”, diz o texto.

O partido enfatizou que a campanha ilícita é intolerável na democracia e que as instituições brasileiras têm a obrigação de agir em defesa da integridade do processo eleitoral.

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira

FONTE: https://www.brasildefato.com.br/2018/10/18/cassacao-de-bolsonaro-nao-depende-de-participacao-direta-na-acao-ilegal-de-empresas/